Texto: Ivan Drummond /Estado de Minas
Fonte: Superesportes
Imagens: Reprodução
Edição: Jorge Luiz da Silva.
Salvador, BA (da redação itinerante do Esporte
Comunitário)
As aulas de atletismo para os moradores de rua do projeto começaram há dois meses
Maltratado e menosprezado por muitos – a ponto de o governo brasileiro não ter uma política esportiva no país –, o esporte dá, em BH, um exemplo de como pode ser eficiente em questões de reinserção social e recuperação de pessoas que estão à margem da sociedade. Para um grupo de moradores de rua que vivem num albergue da Prefeitura de Belo Horizonte no Bairro Floresta, a corrida foi a porta de entrada para um novo mundo. No sábado, eles sentirão o sabor de competir, participando da Cross Urbano Caixa, prova que terá percurso diferente: serão seis quilômetros nas dependências do Mineirão, passando pela esplanada, corredores e até o campo.
As aulas começaram há pouco mais de dois meses e um dos integrantes da equipe é Wander Lúcio Pinto, de 40 anos. Natural de Itajubá, ele conta que sua vida mudou depois que começou a correr: “Minha vida era álcool e drogas. Agora, estou há dois meses sem beber e sem me drogar. Nunca pensei que conseguiria isso. Mas o esporte me fez mudar e ver a vida de modo diferente. Não olho para a dificuldade de mais nada. Tenho uma responsabilidade que nunca tive”.
Pelo projeto, Wander também está fazendo um curso de padaria e confeitaria. E pretende começar mais um no final deste mês, de cuidador de idosos. “Eu era um cara sem qualquer esperança. Perdi um filho aos 20 anos, de leucemia. Na época, não vivia mais com ele. Quando isso aconteceu, decidi deixar Itajubá. O pensamento era ir para Pouso Alegre. Peguei carona num caminhão. Mas adormeci na carroceria e o cara passou do meu destino. Perguntei para onde estava indo e ele respondeu Belo Horizonte. Resolvi arriscar. Cheguei aqui e fui para o albergue, e minha vida está mudando”, destaca.
Como ele, outros moradores não tinham mais esperança. É o caso de Rogério Barreto, de 30, que se mudou de Carlos Chagas para a capital mineira em busca de emprego; Juler Henriques Esteves, de 33; Abraão Carvalho Custódio, de 41, de Volta Redonda; do garçom Gilson Pinheiro Martins, de 49, que veio da Bahia, e fala três idiomas – inglês, espanhol e italiano. Ou mesmo de Aurito Márcio dos Santos, de 39, que vivia no Parque Municipal, onde bebia durante todo o dia. “O parque é lugar de cachaça, não precisa nem comer”, afirma. Diz que um dia passou na porta do albergue e resolveu entrar. “Sóbrio, vi essa história da corrida e entrei para o grupo. Sempre quis correr. E aqui me encontrei. Não bebo mais. Só corro”, diz, orgulhoso.
FRIO E FOME
Conduzido por voluntários, o projeto começou quando a psicóloga Érica Machado foi convidada a conhecer o albergue e conversar com os albergados, todos moradores de rua. “Perguntei a um homem, que estava bêbado, por que ele bebia tanto. Respondeu-me que era pra dar conta de viver, para tentar acabar com o frio, a fome, e me falou de sua falta de esperança e de não ter sonho. Notei que reclamavam de não ter o que fazer”, relembra.
Por meio de convênio com o Sebrae, os moradores do albergue passaram a fazer cursos. “Chamei, então, um amigo, Bernardo Santana, a quem fiz a proposta de montar um projeto de esporte. E ele apresentou esse, de corridas”, diz Érica. Às segundas, quartas e sextas eles treinam logo cedo, alternando-se entre a Avenida dos Andradas e o Parque Municipal. Uma das treinadoras voluntárias é a corredora Natália Vasconcelos, que participa de provas pelo mundo e ajuda a arrecadar material para a turma. Tudo é fruto de doação e quem quiser doar tênis e roupas para a turma é só levar ao Serviço de Acolhimento para a População de Rua e Migrantes, na Rua Conselheiro Rocha, 351.
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